Síndrome das Pernas Inquietas

A urgência de movimentar as pernas

SONO

5/24/20237 min read

A síndrome das pernas inquietas ou doença de Willis-Ekbon (nomes dos cientistas que descreveram a síndrome) é uma doença neurológica comum, presente em 5 a 10 % da população, caracterizada por sensações desagradáveis ​​que são aliviadas com o movimento, agravadas no período noturno e pelo repouso e não são causadas por outra doença.

Primeiro, vou falar mal do nome escolhido para essa síndrome, porque apesar dela geralmente envolver as pernas, não é raro que afete outras partes do corpo como os braços. E o adjetivo "inquietas" faz parecer que as pernas mexem sozinhas, no entanto é muito importante entender que a pessoa fica inquieta pois ela precisa se mexer para aliviar uma sensação ruim, logo esse movimento não é automático. Explico isso melhor na sessão sobre movimentos periódicos de membros durante o sono lá embaixo. Não usarei o termo doença de Willis- Ekbon pois é menos conhecido e dar nomes de pessoas à doenças ou síndromes na medicina só complica as coisas.

As consequências para a qualidade de vida do indivíduo que sofre da síndrome das pernas inquietas podem ser devastadoras. Elas dependerão da gravidade dos sintomas, da própria sensibilidade do indivíduo para eles, da presença de comorbidades que já atrapalham o sono do indivíduo, entre outros fatores. existem pessoas que ficam tão incomodadas que trocam o dia pela noite pois os sintomas são menos graves pela manhã e isso pode prejudicar muito sua qualidade vida . Dividir a cama com alguém com síndrome das pernas inquietas pode, também pode ser bastante incômodo.

O diagnóstico não depende de nenhum exame específico, mas os exames de sangue e a polissonografia podem auxiliar nos diagnósticos diferenciais e de doenças associadas. Além disso, há escalas disponíveis para ajuda na avaliação e gravidade dos sintomas.

A forma como um paciente se refere à sensação desagradável das pernas pode variar muito, assim como a própria sensação, que pode ser dolorosa inclusive.

Quadro 1: Diferentes referências ao componente sensitivo da síndrome das pernas inquietas

Inquietação, incômodo

Queimação, calor

Irritação

Choque

Fisgada, picada

Estrangulamento, contração

Dormência

Dor, dor no osso, dor “no fundo”

Cansaço

Angústia, ansiedade, desespero, aflição, tensão

Coceira, comichão

Sensação de pernas nervosas

Formigamento, “formigação”

“ruindade”

Repuxamento

“Cãibras”

Vontade de não fiar quieto

Pinicar, “pinicamento”

Cócega

Friagem nos ossos

Vontade de espichar

“Farnizim” ( regionalismo )

“ um bicho dentro da perna “

“Gastura” ( regionalismo )

Adaptado de: Fröhlich Alan Christmann, Eckeli Alan Luiz, Bacelar Andrea et al. Consensus on guidelines for diagnosis and treatment for restless legs syndrome. Arq. Neuro-Psiquiatr. [Internet]. 2015

O que causa a síndrome das pernas inquietas?

Está cada vez mais claro que síndrome das pernas inquietas pode ter contribuições genéticas em alguns casos, especialmente em indivíduos jovens, ou apresentar uma maior contribuição de fatores ambientais ou de comorbidades, especialmente em indivíduos de mais idade. Até o momento, sabe-se que a síndrome das pernas inquietas engloba fatores genéticos, disfunção de neurotransmissores e deficiência de ferro, mas não foi encontrado um gene único que poderia estar associado e sim alguns que não causam a doença em 100% das pessoas.

E o FERRO tem influência na síndrome das pernas inquietas ?

No cérebro, o ferro é necessário para a geração de dopamina, para o funcionamento correto das sinapses e síntese de mielina. Existem dados de autópsia, ressonância magnética, sonografia cerebral e análise de líquido cefalorraquidiano ( liquido banha o sistema nervoso central) apoiando a ligação entre síndrome das pernas inquietas e ferro cerebral baixo.

Quem tem mais chance de ter síndrome das pernas inquietas (fatores agravantes e predisposição)?

Os fatores agravantes mais bem caracterizados são a deficiência de ferro, alguns medicamentos, gravidez, insuficiência renal crônica e imobilidade prolongada. Alguns medicamentos que podem precipitar ou agravar a síndrome das pernas inquietas ou movimentos periódicos dos membros durante o sono incluem anti-histamínicos sedativos, alguns antagonistas do receptor da dopamina ativos centralmente, como os neurolépticos, e a maioria dos antidepressivos

Quadro 2: Medicações que precipitam ou agravam os sintomas de síndrome das pernas inquietas

Medicações que precipitam ou agravam SPI

Exemplos

Anti-histamínicos de ação central

Dexclorfeniramina

Antagonistas do receptor da dopamina

Metoclopramida, haloperidol

Antidepressivos (exceto bupropiona)

Citalopran , amitriptilina

Doenças “confundidoras”

Algumas doenças podem confundir o médico na hora de fazer o diagnóstico de síndrome das pernas inquietas . Na tabela, estão os principais diagnósticos que devemos considerar para fazer esse diagnóstico.

Tabela 1: Diagnósticos diferenciais de síndrome das pernas inquietas

Diagnóstico Diferencial

Como diferenciar

Caibras : são contrações dolorosas aliviadas pelo alongamento

Desconforto posicional: sensação de desconforto após sentar ou deitar na mesma posição por muito tempo; alivia com a mudança de posição

Neuropatias periféricas: a vontade de mover os membros não é tão importante ou é menor do que na SPI, pode piorar em situações de descanso, sintomas permanecem durante o dia; pode acompanhar alterações ao exame neurológico; eletroneuromiografia pode auxiliar no diagnóstico

Radiculopatias: geralmente não há vontade de movimentar os membros, pode piorar em situações de descanso e à noite

Estase venosa: melhora com repouso e piora com movimento; não tem influência do ritmo circadiano, ou seja do dia e da noite.

Acatisia induzida por neurolépticos: Histórico medicamentoso detalhado; a necessidade de movimentação envolve todo o corpo

A síndrome das pernas inquietas tem tratamento?

O tratamento não farmacológico é muito importante, já que 65% dos pacientes busca tratamentos alternativos para os sintomas de SPI. Inicialmente, é necessário instruir o paciente a fazer higiene do sono, quando possível, controlar ou retirar fatores precipitantes como alguns medicamentos, café e álcool. Usar corretamente a reposição de ferro quando indicado, além da possibilidade da prescrição das vitaminas C e E. Outras vitaminas baixas no sangue podem aumentar sintomas de desconforto, e devem também ser repostas. Por exemplo: vitamina B12, ácido fólico e vitamina B6.

Tabela 1 – Indicações de suplementação com ferro e vitaminas.

  • Vitamina C: especialmente em pacientes com DRC doença renal crônica ou associada a reposição de ferro

  • Vitamina E: especialmente em pacientes com DRC doença renal crônica, pode ser combinada com a vitamina C

  • Ferro: o ferro é um elemento central na fisiopatologia da síndrome das pernas inquietas, atualmente, caso não haja sobrecarga de ferro, a suplementação será indicada.

  • Pode ser indicada a suplementação com magnésio e as vitaminas do complexo B, em especial as que dão suporte à suplementação de dopamina

Fármacos

Muitos agentes farmacológicos podem ser eficazes para manejo dos sintomas da síndrome das pernas inquietas. Até recentemente, o tratamento de primeira linha consistia em doses baixas de agonistas dopaminérgicos, como o pramipexol por exemplo. Contudo, eles causam altas taxas de piora progressiva dos sintomas após algum tempo de uso (fenômeno da aumentação). Portanto, diretrizes internacionais recomendam que, sempre que possível, o tratamento inicial deva ser feito com antagonistas de canais de cálcio do tipo α2δ ligantes, como a pregabalina e a gabapentina. Caso sejam prescritos, agonistas dopaminérgicos devem ser prescritos na menor dose efetiva e pelo menor tempo possível. A terapia com ferro, mesmo com níveis de ferritina um pouco acima do considerado insuficiente para síndrome das pernas inquietas, pode ser considerada em pacientes com sintomas refratários.

Tabela 3- Tratamento farmacológico da síndrome das pernas inquietas

Agonistas Dopaminérgicos

  • Levodopa

  • Pramipexol

  • Rotigotina

    Anticonvulsivantes

  • Gabapentina

  • Gabapentina Enacarbil ( não disponível no Brasil em 2021 )

  • Pregabalina

    Opióides

  • Codeína

  • Tramadol

  • Oxicodona

  • Metadona

Movimentos periódicos dos membros durante o sono – o que isso tem a ver com síndrome das pernas inquietas?

Muita gente acredita que a síndrome das pernas inquietas são movimentos automáticos pois elas já observaram os companheiros ou familiares mexerem os pés enquanto dormem. Uma coisa são os movimentos que aliviam o desconforto nas síndrome das pernas inquietas, que são voluntários, ou seja, a pessoa está acordada e movimenta o membro afetado para aliviar uma sensação ruim. Já aqueles pequenos movimentos que alguns indivíduos fazem dormindo podem ser os movimentos periódicos dos membros durante o sono. Eles podem sim estar associados a síndrome das pernas inquietas, inclusive na maioria dos casos estão, mas não necessariamente.

Como identificar?

Os movimentos periódicos de membros são caracterizados por movimentos dos membros que ocorrem durante o sono, muitas vezes sem a percepção do paciente. São caracterizados pela flexão dos dedos, dos pés e dos tornozelos associados ou não à flexão do quadril e joelhos. Pode haver uma dificuldade em ter um sono de qualidade, já que esses pequenos movimentos podem gerar múltiplos microdespertares, que são tão breves que geralmente nem lembramos de ter acordado, mas que podem deixar nosso sono pior.

O diagnóstico é confirmado por polissonografia e o índice de moviemntos periódicos de membros é usado para determinar a gravidade, podendo ser normal, leve a moderado e grave. Podem estar relacionados com doenças neurológicas e está presente em 50 a 90% dos pacientes com síndrome das pernas inquietas. O uso de alguns medicamentos podem predispor ao aparecimento deles como o lítio, os antidepressivos e os antipsicóticos. Mas não vá suspender nenhuma dessas medicações sem antes falar com seu médico.

O tratamento medicamentoso ainda é controverso, exceto quando associado à síndrome das pernas inquietas.

Referências

  1. Ito E, Inoue Y. [The International Classification of Sleep Disorders, third edition. American Academy of Sleep Medicine. Includes bibliographies and index]. Nihon Rinsho. 2015;73(6):916-23.

  2. Frohlich AC, Eckeli AL, Bacelar A, Poyares D, Pachito DV, Stelzer FG, et al. Brazilian consensus on guidelines for diagnosis and treatment for restless legs syndrome. Arq Neuropsiquiatr. 2015;73(3):260-80.

  3. Harrison EG, Keating JL, Morgan PE. Non-pharmacological interventions for restless legs syndrome: a systematic review of randomised controlled trials. Disabil Rehabil. 2019;41(17):2006-2014.